25 dezembro 2006

A morte nunca dorme.

Boas tarde, em que posso servi-la, perguntou o recepcionista, Telefonaram de uma agência de viagens há um quarto de hora a fazer uma reserva para mim, Sim, minha senhora, fui eu que atendi, Pois aqui estou, Queira preencher esta ficha, por favor. Agora a morte já sabe o nome que tem, disse.lho o documento de identificação aberto sobre o balcão, graças aos óculos escuros poderá copiar discretamente os dados sem que o recepcionista se dê conta, um nome, uma data de nascimento, uma naturalidade, um estado civil, uma profissão. Aqui está, disse, Quantos dias ficará no nosso hotel, Tenciono sair na próxima segunda-feira, Permite-me que fotocopie o seu cartão de crédito, Não o trouxe comigo, mas posso pagar já, adiantado, se quiser, Ah, não, não é necessário, disse o recepcionista. Pegou no documento de identificação para conferir os dados passados para a ficha e, com uma expressão de estranheza na cara, levantou o olhar. O retrato que o documento exibia era de uma mulher mais velha. A morte tirou os óculos escuros e sorriu. Perplexo, o recepcionista olhou novamente o documento, o retrato e a mulher que estava na sua frente eram agora como duas gotas de água, iguais. Tem bagagem, perguntou enquanto passava a mão pela testa húmida, Não vim à cidade fazer compras, respondeu a morte.
Permaneceu no quarto durante todo o dia, almoçou e jantou no hotel. Viu televisão até tarde. Depois meteu-se na cama e apagou a luz. Não dormiu. A morte nunca dorme.

in As Intermitências da Morte, José Saramago


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