21 dezembro 2007

Ainda o Acordo ortográfico

Há alguns dias escrevi um artigo sobre o Acordo Ortográfico e como seria de esperar, apareceram várias opiniões antagónicas nos comentários. Para alguns a mudança é bem vinda, insuficiente e peca por tardia. Para outros quais velhos do Restelo, é quase a perca da nossa identidade linguística.
Mas a discussão, a troca de opiniões, é sempre bem vinda. Num dos comentários, um caro leitor do Tux Vermelho, Sabino de seu nome, deixou algumas questões e dúvidas sobre o acordo. Outro comentador, Francisco, respondeu a este comentário e no meu ponto de vista, acho que a resposta merece ser aqui publicada.
A itálico estão as dúvidas do Sabino, ficando a resposta do Francisco logo a seguir:


Francisco disse:

Sabino escreveu:
"Não percebo qual é o grande problema em escrever-mos [sic] diferente dos outros países de Língua Portuguesa?"
Devolvo a pergunta:
Não percebo qual é o grande problema em escrevermos igual aos outros países de língua portuguesa.

"Ainda não percebi muito bem as novas regras mas parece que vão assim existir muito mais homónimas".
Pelo menos o Sabino confessa que ainda não percebeu as regras. O que eventualmente vão existir é mais palavras homógrafas. Tais palavras sempre existiram, em todas as línguas.
"Depois como é que distinguimos palavras com significados tão diferentes"? Exactamente como actualmente, como sempre: pelo contexto, pois as palavras não são usadas isoladamente.
Eu ato o saco antes de o pôr no lixo.
Eu gostei mais do segundo ato da peça.
Não me peça para substituir outra peça do motor.
Como é que distinguimos "peça" nos três casos? Este exemplo já existe, sem as "novas regras".

"Existe uma coisa que se chama raiz da palavra e família de palavras."
Sim, etimologia. E existe outra coisa chamada evolução (não necessáriamente boa ou desejável, mas é um facto que existe).
Por isso é que nós (em Portugal) escrevemos "produto" e não "producto", nem (ainda menos) o original latino "productu". Pela mesma razão os brasileiros escrevem "ação" e não "acção" e nem eles nem nós escrevemos o histórico e original "actione".
Já agora, a propósito dos exemplos ingleses, eles também evoluiram na escrita e, pegando no último exemplo, escrevem "action" e não "actione". Escrevem "pig" e não o histórico "pigge". Etc, etc.

"A grafia de cada palavra tem razões culturais e históricas"
"(...) afastamo-nos nós das nossas próprias origens."

É verdade, é a tal evolução, seja boa ou má. Mas será que o Sabino deseja voltar a escrever "pharmacia", "castello", "effectivo"?
Os próprios italianos, os mais próximos, pelo menos geograficamente, da língua histórica (latim) que deu origem ao português e ao italiano, não escrevem "homine" nem sequer "huomo", mas sim "uomo" (homem). Não escrevem "actione", nem "accione", nem "aczione", mas sim "azione". Por que raio é que nós havemos de continuar escrevendo "acção" se dizemos "ação"? Só porque em latim era "actione"?

A grafia (...) não pode ser alterada com um simples protocolo."
Pode. Quer gostemos, quer não; quer seja bom, quer seja mau. A grande reforma ortográfica em Portugal em 1911 foi ordenada por portaria. Um outro decreto estabeleceu nova ortografia em 1945. Em 1971 (já eu andava na escola) um acordo entre Portugal e Brasil suprimiu alguns acentos gráficos (por exemplo "òptimamente" passou a "optimamente"). Portanto, decretos, acordos, protocolos, etc, têm imposto alterações à grafia (graphia). Contudo, eu creio que as principais alterações são fruto do uso, da evolução da língua, seja ela considerada boa ou má.

Com os melhores cumprimentos (ou meliore complemente, para ficar mais próximo da origem histórica :-)
Francisco

Contribuiam com as vossas ideias...

5 comentários:

As pessoas são avessas à mudança e não tem a haver com a idade. As crianças adoram as suas rotinas. Chamar a uma das partes neste debate "Velho do Restelo" logo no início do post não ajuda à discussão séria.

Gostei muito das respostas do Francisco. Bem argumentadas e com exemplos válidos!

Bom, o termo "Velho do Restelo" não foi usado com intenção depreciativa ou algo parecido. Os velhos do Restelo eram aquelas personagens dos Lusíadas que tinham medo do futuro, temiam as mudanças, eram os pessimistas, e é essa a intenção com que lá tentei identificar alguns dos que não querem o Acordo.

E concordo, Francisco argumentou bem!

Isto, vindo de um gaijo que não sabe se se vem ou se se vê...Está um "post" muito acertado. ;)

Logo se vê se se vem.... :)

Boa resposta, boas férias pinguim vermelho.
Como dizia um amigo meu macaense:
On fôn cá, ò vui yaam tchoiii tchauu.