Muitas vezes pensamos que toda a gente é como nós ao utilizar um PC, particularmente uma distro de GNU/Linux. Estamos convencidos que os outros tem as mesmas habilidades e dificuldades que nós, e esquecemos que, por vezes, uma simples tarefa de copiar um ficheiro, poderá ser um bico-de-obra para muita gente. Vou transcrever resumidamente um artigo publicado na Linux Format onde se fala de três casos de utilizadores tipo a tentarem ultrapassar algumas tarefas básicas num PC com Ubuntu, sendo tudo supervisionado por um utilizador experiente de Linux mas sem quase nenhum apoio dele .
As tarefas foram divididas em três grupos: básico, administrativo e avançado. Para o primeiro grupo, os utilizadores que se submeteram ao teste teriam de saber lançar o browser, o processador de texto, copiar e apagar um ficheiro, e gravar um CD. As tarefas do segundo grupo consistiam em instalar um programa, acertar a hora, alterar as definições do teclado, fazer um update ao sistema incluindo a instalação de pacotes mais recentes, bem como fazer os updates de segurança. Para o último grupo, foi pedido aos utilizadores que instalassem o Ubuntu 7.04 num portátil, mas sem dual boot para não complicar o teste.
As cobaias foram três, sendo a primeira uma utilizadora que apenas vê o PC como algo onde se pode escrever uns textos e navegar o indispensável, o segundo é um utilizador de Mac e apenas Mac e quanto à terceira cobaia, pode-se considerá-la um utilizador experiente de Windows que apenas conhece outros SOs pelos printscreens que lhe passam pelo ecran.
Os resultados são inesperados e surpreendentes para muitos de nós que conhecemos o Linux. E também muito úteis para compreender as dificuldades daqueles que tem um encontro imediato com o sistema do pinguim.
A primeira cobaia acha que os PCs apenas servem servem para escrever uns textos no Word, navegar o indispensável e ler uns mails. Penso que se encaixa no perfil da maior parte dos utilizadores de PCS por esse mundo fora. Ao pedido de abrir o browser não teve dificuldades em encontrar o Firefox no menu e abri-lo. No pedido para abrir o processador de texto, fartou-se de percorrer os menus à procura do Word e acabou por abrir o Evolution. Para muita gente, o processador de texto é sinónimo de Word, o que não ajuda muito. Mas lá acabou por abrir o OOo Writer.
Ao pedido de copiar um ficheiro do desktop, não teve problemas em andar pelos menus e clicar em "Copy", mas depois esperou que algo acontecesse como abrir-se um menu ou algo do género. Como nada aconteceu, pôs-se a esgravatar pelo "Send to..." e pelo menu "Applications". Só depois de explicado o funcionamento do copiar e do "Clipboard" é que a cobaia acalmou. Conclui-se que para os recém chegados ao Linux, uma entrada para um comando que não gere um "feedback", é algo de não intuitivo. O mesmo aconteceu com o pedido de apagar um ficheiro. Como não existe um "Delete" no menu do rato, ela abriu o ficheiro no gEdit na tentativa de encontrar no menu "File" o tal "Delete".
Quanto ao alterar o layout do teclado, andou minutos pelos menus à procura da entrada das definições do teclado. Como nunca gravou um CD no Windows, também não foi pedido que o fizesse no Ubuntu.
Ao instalar o Ubuntu, na escolha da zona horária, tentou procurar pelo seu país e ficou surpreendida pela lista de cidades que lhe foi presenteada no ecran. E não percebeu que podia fazer zoom no mapa. Parece que uns pop ups informativos poderiam ser uma boa ajuda para este tipo de utilizadores. A chegada ao particionamento foi sinónimo de mais interrogações, pois a utilizadora está completamente a leste do que são e para que servem partições. Acabou por optar pelo particionamento automático. Mas se tivesse mais informação na forma de alguma manual num menu ou alguns pop ups, poderiam ser bastante úteis.
Para quem trabalha com um sistema tão userfriendly como o OS X, que era o caso da segunda cobaia, em princípio trabalhar com o Gnome não deveria ser muito mais complicado. Não teve dificuldade alguma em encontrar o Firefox e o OOoWriter. Atrapalhou-se na tarefa de copiar um ficheiro por não saber imediatamente como o havia de largar no desktop sem ícones, drives ou pastas. Após descobrir o botão do lado direito do rato, a coisa prosseguiu sem problemas. Demorou cerca de um minuto para apagar um ficheiro porque não encontrava ou percebia que o "Trash" que está no desktop servia o seu objectivo. Não devemos esquecer que o OS X tem um grande ícone identificando o caixote do lixo.
Foi depois instalar o Thunderbird via "Add/Remove Programs" que encontrou sem problemas. Ele selecionou o pacote mas não o marcou, ficando intrigado porque nada acontecia. Aliás, até pensou que o "Add/Remove Programs" fosse um programa com links para um site de downloads de programas. Ao selecionar o Thunderbird pensou que estava a clicar num link para um website onde estaria o pacote para download. A ideia dum grande repositório de packages para uma distro, não lhe fazia sentido.
Não teve problemas em ir ao menu "System" procurar pelas definições do teclado mas o programa tinha duas abas identificadas com "Layout" e "Layout options". Ele optou pela segunda aba e não encontrou as opções pretendidas. Parece que esta disposição não é propriamente das mais intuitivas.
Para gravar o CD, ficou surpreendido por ser o menu "Places" onde deveria ir para ultrapassar o objectivo. "Nada é óbvio!", disse ele! Mas depois não teve mais nenhum problema em acabar a tarefa.
Onde também não houve problemas foi com a instalação do Ubuntu, embora patinasse um pouco no parte de particionar o disco. Nunca tinha feito uma instalação dual boot e por isso não percebia a lógica de particionar um "volume", que é o termo Mac OS. Mas acabou por fazer a instalação sem problemas.
Segundo a sua opinião, graficamente o Gnome tem potencial para tornar fácil o sistema para o utilizador, comparando com o seu OS X. Mas para um newbie como ele, o Gnome no Ubuntu é às vezes visualmente confuso.
E chegamos à última cobaia, um utilizador experiente de windows que apenas conhece o Linux por alguns printscreens que viu. Gosta de experimentar coisas novas, sempre esfomeado por novas tecnologias, mas ouvindo dizer que o Linux ainda não está pronto para o desktop.
O primeiro dado que se obtém dele é a sua propensão para utilizar os atalhos do teclado, ao contrário dos outros que preferiam usar o rato para tudo. No teste de copiar um ficheiro e apagar outro, usou apenas as combinações de teclas Ctrl+C, Ctrl+V e Shift+Delete. Este hábito do windows deu-lhe jeito para estas situações, mas quando chegou ao teste da instalação do thunderbird, ele não entendia o conceito de "gestor de pacotes". E assim foi ao website do Thunderbird para ir fazer o download. Depois de uma pequena explicação em que se apontou o tal gestor de pacotes como o caminho para instalar o programa, ele ainda ficou confuso porque em windows, os programas são instalados através do típico setup.exe. E mais, em windows, o "Adicionar/Remover programas" apenas serve para remover programas. Penso que a Microsoft deveria rebaptizar o seu programa.
Após selecionar o Thunderbird, clicou em "Aplicar" esquecendo o visto na janelinha de confirmação da seleção. Parece ser algo que poderia ser corrigido em versões futuras.
Quanto ao gravar o CD, ele esperava encontrar um programa no menu dos programas que fizesse essa função, nunca encontrá-lo no menu "Places". Mas depois não teve mais nenhuma dificuldade com esta tarefa. Também não teve problemas em alterar a hora e o layout do teclado, indo pelos menus, mas desconhecia que com o botão direito do rato teria uma caixa de diálogo onde poderia também alterar a hora. Esta maneira de trabalhar é típica do meio ambiente windows.
Na instalação do Ubuntu, desconhecia a necessidade de particionar o disco e teve o mesmo problema com a zona horária. Não sabia que podia fazer zoom e em vez disso andou a percorrer a lista de cidades durante bastante tempo. Parece lógico que aqui, o instalador Ubuntu precisa de ser melhorado de modo a que qualquer um saiba que pode fazer zoom no mapa.
E assim foi o encontro de 3 newbies com o Ubuntu, mostrando as suas dificuldades e dúvidas com o Linux, em parte devido aos hábitos adquiridos com outros SOs a que estavam habituados. Parece que o Ubuntu, querendo sempre simplificar e ajudar quem chega ao Linux, poderia limar algumas arestas.
Outras distros também poderiam melhorar estes aspectos para melhor receber os recém chegados ao sistema do pinguim. Mas será que não se irá perder a identidade própria do GNU/Linux com tanta simplificação?
Fonte: Linux Format